Quando ainda estava na faculdade, a professora passou um trabalho sobre memória e elencou Walter Benjamin como teórico. Fiquei com a temática da morte e seus ritos. Bem, não vou me aprofundar nesse assunto, só o citei porque tem um pouco a ver com o que vou dizer.
Ontem fui submetida a um procedimento cirúrgico que em geral pode significar algo que preocupa ou algo que pode te levar ao desespero. Câncer é uma palavra que ninguém quer ouvir como diagnóstico, principalmente porque a maioria de seus familiares sucumbiram a ela. O fato é que ainda terei que esperar por 45 dias até o resultado da biópsia.
Mas retornando a Benjamin, antes os ritos desde a doença até a morte aconteciam na casa da pessoa. Hoje há um infinidade de procedimentos para prolongar a vida, mas no transcorrer deles, o doente fica em determinado momento completamente sozinho e abandonado porque os médicos e auxiliares, dizem eles, que não podem se envolver muito para não sofrer, pois seria uma carga pesada demais já que lidam com uma linha muito tênue entre vida e morte. Concordo, mas ainda assim não se resolve o problema da falta de humanização nessas horas de desespero e impotência diante da vida de um doente que ao sair numa maca do quarto, vê apenas as laterais dos corredores e pessoas a te observar com dó, pena ou indiferença e o teto com suas lâmpadas fluorescentes que te cegam, os olhares de cima e nada mais.
O olhar daqueles que ficam no quarto tensos e ansiosos te deixam preocupada que por um instante você esquece de sua própria condição. Mas sempre há em meio a uma multidão de profissionais que olha para você como a próxima tarefa a ser cumprida para terminar seu plantão, um que te enxerga não como algo a ser resolvido, mas como um ser humano que está numa posição incômoda e desesperadamente precisando de um olhar terno. Essas pessoas são como anjos que aparecem de um momento para outro sem prévio aviso. Tive a sorte de ser olhada por um desses anjos. Estava nervosa e quase a cair no choro (sou uma manteiga derretida) quando ela aparece e começa a brincar comigo dizendo que meu nariz é lindo é claro que o choro ficou só na intenção de cair, pois meu nariz é tão pequeno que quando tiro foto de perfil ele desaparece, fiquei meio indecisa em rir e por fim dei um sorriso titubeante e ela só saiu de perto quando viu esse sorriso. Então me acalmei e fiquei a martelar na cabeça a melodia da música de Sting "Fragile" e a frase "How fragile we are" (como nós somos frágeis) http://www.youtube.com/watch?v=lB6a-iD6ZOY&list=PL0QfJdVEYqXZ2fBlhDUjvWZfh75C8mdD0&index=72, então relaxei e pensei: se essas são minha últimas imagens e pensamentos, que sejam pelo menos agradáveis. Aos que me rodeiam já havia dito o quanto são importantes para mim, quanto aos bens, são poucos e sem valor, de modo que tudo já estava bem encaminhado, até mesmo meu testamento quanto ao funeral que escrevi neste blog em forma de poesia neste link: http://omundomentaldemaria.blogspot.com.br/2012/09/meu-testamento.html
Levei como leituras que não li, mas que estavam ali para me acalmarem os livros da poeta Rita Magnago "Travessia do Verso" já que se houvesse um cessar que ele pudesse ser transportado nos belos versos dessa amiga e as crônicas de Carlos Rosa Moreira que me faziam lembrar das belezas de Paris e me induziam a viver para vivenciar aqueles lugares tão bem descritos por ele. Além desses, minha amiga-irmã Maria Teresinha trouxe-me Dostoiévski "Os irmãos Karamazov", Georges Duby "Eva e os padres: damas do século XII" e "Damas do século XII: a lembrança das ancestrais". Pergunto: estava ou não pronta para a morte? rsrsrs Que seja o que tiver de ser.
Hoje, para comemorar, estou a fazer uma rabada bovina. Estão servidos?
Até breve!
Adoro a humanidade que salta dos seus textos, coisa raríssima no mundo. Torço para que a biópsia dê qq coisa benigna. Sou parecida contigo, qdo operei o pulmão por conta de uma alta possibilidade de câncer, que felizmente não era, deixei um monte de coisas escritas para meus filhos, que eu gostaria de ter a oportunidade de compartilhar com eles. Depois, quando fiz uma biópsia no seio, a mesma coisa. Hj encaro isso como preparativos para a morte, coisa que nossa cultura ocidental não estimula, mas que eu acho que deveria. Poucas pessoas encaram a morte com naturalidade e é nossa única certeza desde que nascemos. Adorei saber que vc escolheu meu livro como companhia numa hora de aflição. Grande beijo para você, narizinho lindo, rsrsrs.
ResponderExcluirQuerida Rita, adoro trocar figurinhas com você. Seus textos também são de muita humanidade pois alguns deles não partem da expectativas de um super humanos e sim da mais pura humanidade do ser em seu cotidiano.
ExcluirPisar pedras
ResponderExcluirPisar pedras
Pisar pedras
Quebrar pedras
Transver um caminho
Carlos Orfeu
Lindo texto minha querida amiga, inspirou-me este pequeno poema, força sempre
e um forte abraço
Carlos Orfeu