Não esperem coerência e coesão em meus textos. As ideias aqui expressadas por mim, se dispõem de modo prolixo, com sentido e articulação que só eu percebo ninguém mais. contudo, não descarto a possibilidade de que, eventualmente, alguns de vocês possam concordar ou discordar delas. Afirmo, portanto, que este blog é uma tentativa minha de organizar e saber a quantas andam meu confuso pesamento, muitas vezes irônico e tantas outras cáustico.

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Vander Lee - Meu Jardim

Ha algum tempo atrás, um amigo muito querido, de um bom gosto musical que me dá inveja rssrsrs, me enviou o vídeo da música "Meu Jardim" de Vander Lee. A letra dessa música é maravilhosa e dela parafraseio alguns versos que nos convidam a beber nossas culpas, nossos venenos e nossos vinhos. Nos incita a podarmos nossos jardins e cuidarmos bem de nós.

Então, um brinde especial aos nossos jardins, a Vander Lee e a meu querido amigo.

Tolos Pensamentos

Hoje pela manhã fiquei a pensar nos silêncios sepulcrais em oposição aos ecos verborrágicos. O dito e o não dito convergem e se fundem e fenecem diante da morte.  

Mas será que o diálogo é capaz de dar vida ou de trazer à luz os mortos como num efeito de fênix? Não sabemos não é? Senão quando entramos em cena na vida e pagamos para ver.  







O risco é o preço que se deve pagar para viver.

Desça os degraus sem medo! O máximo que pode te acontecer é viver.

domingo, 29 de janeiro de 2012

Liberdade Paralisante

Tantas coisas acontecendo em minha vida, tantos rodamoinhos de sensações estranhas, entorpecidas, talvez até mesmo vazias. Uma vontade de nada, as vezes um mutismo meio independente a minha consciência, não sei se tristeza ou apenas um istmo, uma rachadura que não consigo definir muito bem. Só sei que não é infelicidade (o que é um bom começo). 


Acho que é excesso de liberdade que nao estou sabendo administrar muito bem. Eu esqueci que minha prisão era mental. Agora que estou livre e posso voar para onde quiser, sinto-me presa sem saber em que direção devo seguir. Ainda penso como uma pessoa que precisa de delimitações, pelo menos até me acostumar com a luz, pois passei tempo demais trancada no escuro. É preciso ventilar o espírito e acordar meus desejos esquecidos no porão de minha também esquecida alma.

Finalmente eu posso sentir que sou gente e navegar em mim mesma.




quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

A Notícia Nua e Crua ou os Delírios de uma suposta Cidadã



Brasil já é a sexta maior economia do mundo, segundo consultoria britânica VERSUS Brasileiros estão entre os que menos obtêm retorno por impostos pagos. Uma outra manchete para fechar com chave de ouro legítima: Desembargadores do Rio chegam a ganhar mais de R$ 640 mil num mês.

A Primeira manchete me faz rir e chorar ao mesmo tempo porque sua matéria prima são os despojos das economias do dito “primeiro mundo”, será que o Brasil fez alguma coisa extraordinária para galgar tal degrau? A segunda só me faz chorar quando faço uma relação com a primeira notícia. Um colapso flagrante em todas as instituições governamentais (federais, estaduais e municipais) que, em tese, deveria está sendo solucionado pelos altos impostos cobrados dos brasileiros. A terceira é elucidativa quanto ao possível paradeiro dos impostos, no âmbito do Judiciário (foi o exemplo “manchético”), o que faz toda a diferença, pois legitima os atos que se estenderão a todos os outros poderes: o Legislativo e o Executivo. 

Dizem que as Ienas riem da desgraça de suas vítimas, como não acreditar nesse postulado? Alguém vê político, maiorais do legislativo ou do judiciário chorar? É mais do que justificado o porquê da guerra de foice no concursos públicos, quando esses poderes abrem vagas. Tem pessoas que estudam durante dois ou três anos só para não perder essa oportunidade ou como comumente se chama de “boquinha”. 


O mais impressionante é que fico a refletir e chego a uma meia conclusão: por que em vez de eu está escrevendo essas coisas, por que não estou estudando para passar num desses concursos e assim gargalhar junto com todos. Por que tenho que ser a persona non grata? Por que não ambicionar ser tão popular quanto eles todos? Mas, levando em conta a objetividade da coisa, eu nem saberia lidar com tanto dinheiro. Logo, logo ficaria a zero, pois o que entendo eu de finanças, senão o malabares que aprendemos a duras penas em administrar mensalmente o tão célebre salário mínimo – que de fato é mínimo literalmente. Mesmo estando no ranking como sexta maior economia mundial. 

Ruminando na tragicomédia e no absurdo dessas manchetes, o que podemos concluir, será que o Brasil arrecada pouco imposto? Será que os brasileiros sonegam impostos? Mas afinal de contas o Brasil investe alguma coisa no proprio país? Para onde vai nossos impostos? Tantas perguntas para poucas respostas. O que é política no Brasil e, em alguns paises, senão sinônimo de roubalheira, corrupção ativa, passiva e qualquer outra voz que se crie. Afinal de contas, somos um país bem versátil no que diz respeito a criação de cargos. Corrupção, no Brasil, é uma miscelânia de genialidade pura. Seu objetivo maior é  focado essencialmente nos desvios de verbas e divisas. Não duvido muito que alguns PHDs desse Futuro Ministério, estejam em breve abrindo um curso específico nessa área, nas faculdades quer públicas ou privadas (temos o PROUNI para garantir a Democracia).

Mas não quero terminar esse texto apenas com esse gosto de fel na boca. Apelo então para o jornalista Alexandre Garcia, tão otimista e sonhador quanto eu no diz respeito a investimentos na educação do Brasil. Segundo disse o jornalista “Ela [a presidente Dilma Roussef] afirmou que o evento [posse dos novos ministros da Educação e de Ciência e Tecnologia] de terça-feira (24/01/2012) é o mais importante do governo dela. Tão importante que compareceram dois ex-presidente da República: Lula e Sarney".

A palavra de Ordem da Presidente é CASAMENTO “casamento entre educação, ciência, tecnologia e inovação como meta para um país maior e mais justo. O novo ministro de Ciência e Tecnologia quer também um casamento com a indústria”. Ora bolas, acho que vou aproveitar a onda e me casar também. Mas com quem? Quem se casaria com uma linguaruda como EU?

Ele finaliza a reportagem dizendo “Tomara que isso signifique uma prioridade absoluta. (...) Aí os políticos, sem ter como oferecer favores e dádivas, terão de discutir ideias com o eleitor que, com mais qualidade na educação, terá mais qualidade no voto”. 

Caro Alexandre Garcia, acho que esse grand finale seu, condenou todo o nosso desejo de mudanças. todavia, assim com o senhor, também eu desejo um país instruído. Um Povo Não apenas capacitado para o mercado econômico ou do trabalho, mas como Sujeito, como Cidadão do nosso País e do Mundo. 

Eita quanto Utopia. Mas fazer oquê? O que seria de nós sem os sonhos e objetivos quase inalcansáveis? Há que se ter algo que nos impulsione, mesmo que seja para o buraco.

Fontes:
http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2012/01/desembargadores-do-rio-chegam-ganhar-mais-de-r-640-mil-num-mes.html
http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2011/12/brasil-ja-e-sexta-maior-economia-do-mundo-segundo-consultoria-britanica.html
http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2012/01/brasileiros-estao-entre-os-que-menos-obtem-retorno-por-impostos-pagos.html
http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2012/01/educacao-e-ciencia-mudam-o-pais-afirma-alexandre-garcia.html

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Amós Oz e sua Caixa-Preta

A Caixa-Preta, hoje começei a ler esse livro. Muito interessante. O teor das cartas é forte. O expurgo de um amor doentio de Ilana por Alec e de Alec por Ilana. Também eu tenho uma caixa-preta que se oferece cotidianamente para mim, no intuito de que eu possa abri-la. No entanto, as personagens são diferentes. Ilana tem vantagem sobre mim, pois seu intelocutor, apesar da alma dura, sabe apreciar a escrita, o devassar de uma alma que alimentou por anos a frustração de uma relação, mas ao mesmo tempo a intensidade de tal relação.

As cartas de Ilana representam a espada enviada ao cavaleiro para sua salvação. Contudo, Ilana é a espada com fio duplo que rasga Alec a todo momento. Ela também é a perdição dele. A relação dos dois é morte certa para ambos. Sabe-se que ela era uma mulher adúltera, mas o que será que houve por trás desses adultérios? O que lhe faltava, amor, dinheiro (acho que nao era nenhum desses casos). O que era então?

Saboreiem uns trechinhos:

"O tempo está passando Alec, e nós dois estamos murchando. (...) E outra coisa: você me escreveu que as mentiras e as contradições da minha carta despertaram em você um silêncio de desprezo. O seu silêncio, Alec, e também o seu desprezo, me causaram um medo repentino. Será que você realmente não encontrou em todos estes anos, em todas as suas viagens, alguém que pudesse lhe oferecer uma mísera migalha de afeto? Lamento por você, Alec. Que coisa terrível: eu sou a única que agiu errado, e você e seu filho pagam toda a crueldade do castigo. Se você quiser, apague 'seu filho' e escreva Boaz. Se você quiser, apague tudo. No que se refere a mim, não hesite, faça tudo que puder aliviar seu sofrimento." (p.18-19)

"Estou sentada na escrivaninha dele, escrevendo para você e com isso estou pecando contra ele e contra a nossa menina. (...) Porque você não massacra Alec: você pica. Seu veneno tênue e lento não mata de uma vez mas me destrói e acaba comigo pouco a pouco. (...) Agora cemeça a espalhar-se em seu rosto aquele sorriso predatório, aquele amargo e fascinante sorriso. Sabe, Alec, uma noite eu gostaria de vestí-lo com uma túnica preta e colocar um capuz preto na sua cabeça. Você não se arrependeria, porque essa imagem me excita muito" (...) eu quis que você me apresentasse a conta. Estou ansiosa para pagar. (...) não esqueci por um momento sequer o que você é. (...) Sabia que a única coisa que receberia de você seria um sopro gélido de silêncio mortal. No máximo uma cuspida de humilhação venenosa. Não menos, mas também não mais. Eu sabia que tudo estava perdido." (págs.45, 46, 48)

Bem, estou no início do livro, vamos ver no que ela se tornará. gosto de ver como as nossas opiniões vão se modificando a medida em que avançamos no conteúdo da narrativa. É assim também com nossas vidas. Não dá para folhear o final, apenas intuir.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

IMPRESSÕES, MEMORIAS!!!

CARAAMMMMMMMMBA, É UM DOS CONTOS MAIS FENOMENAL QUE LI NA VIDA. QUE COISA MARAVILHOSA.


Li este conto na pagina da ctbaaudry, na netlog, perguntei se era dela o conto e ela disse que não conhece o autor(a). Mas quero ressaltar que se não fosse pelo bom gosto dela, eu não teria lido esta obra prima. É longo, mas para mim valeu cada letra lida.

Sabe, penso sempre que se houver mesmo um dia do Juízo Final, a melhor porta voz para relatar a evolução da humanidade, não poderia ser outra pessoa que não uma prostituta.

"Se a avó soubesse que todo o conhecimento que proporcionara à neta pensando que ela teria outro destino, melhor, com boas recordações, era, na verdade, para ela como um abismo que a puxava para baixo, tirando-lhe todo o ar, sufocando-a naqueles interiores secos e selvagens que transformavam toda filosofia e arte em erva daninha e reduziam as almas mais elevadas a pó, não teria deixado a neta abrir sequer um livro, e também ela não teria se salvado. "

ESSE TRECHO EM ESPECIAL É DE MATAR. TODO O CONTO ESTA CHEIO DE TANTA POESIA E DE COISAS TÃO PROFUNDAS QUE NAO ME ARRISCO A FALAR MUITO COM MEDO DE ME AFOGAR.

IMPRESSÕES, MEMORIAS!!!

Os interiores são regiões abruptas da alma. Fétidas. Expulsam bom senso e as demais moralidades, servem-se fartamente de suas próprias leis, enlamam-se em misérias e toda sorte de perversões. Cinzentas, avermelhadas, negras, suas variações são múltiplas, suas delicadezas profundas, sua sensualidade quente e rasteira. Os interiores não são para qualquer um.

Solitários e úmidos, às vezes, ou cheios de barulho e melancólicos quando sofridos por qualquer onda de frio. Pacientes, esperam pela mudança que nunca vem, pelos ciclos eternamente a repetirem-se. Porque é dos interiores a mudança que nada muda, o silêncio perpétuo que só na forma de grito se escuta.

As histórias ali são muitas. Contadas e recontadas servem para alimentar sua cadeia interminável de misérias e vãs piedades e inspirar boas condutas ou potencializar as más. Foi assim que em uma pequena vila completamente esquecida e desencontrada, plantada nos interiores do Brasil, ouviu-se dizer de duas mulheres que viviam juntas. Uma era avó e a outra sua neta. A primeira já era mulher havia um bom tempo, contava já os seus sessenta anos, enquanto a segunda apenas começava a trajetória nem sempre fácil de ser mulher. Viviam em casa simples, pequena e mofada. Antiga, a construção nunca mudara e esboçava nos trincos nas paredes as marcas do tempo, na tinta já descascada os humores dos climas quentes daquelas paragens e, no cheiro forte e denso, os sinais de solidão e do esquecimento.

As duas nunca saíam. Nunca tinham visto nada que não fosse a vila onde viviam. A velha lhe decorara os campos secos e as ruas sem árvores, onde as poucas e espalhadas casas se expunham ao sol forte de quase todos os dias ou às chuvas que vinham de vez em quando pelas beiradas. Nunca vira o mar ou outras paisagens, montanhas só as imaginava, metida que estava no meio de toda aquela planície que nunca mais acabava. Só conhecia estradas retas, rios tímidos e acanhadas árvores. Mas não tinha vontade de conhecer outras geografias. A sua lhe bastava. E bastou-lhe tanto que ela agora passava os dias deitada em um sofá que a prima Dinorá trouxera de Paris, todo moderno, cheio de luxos e cores, vindo do exterior, a contrastar com aquele pedaço de vida que se comprazia em descansar sem estar cansada, em olhar para tudo sem olhar para nada. Um interior seco, tão seco como o que a abrigava.

Dona Marina enlouquecera sem que ninguém nunca lhe soubesse propriamente a causa. Ela inclusive parecia mais sã do que todos ao seu redor, mas, ao mesmo tempo, parecia mais louca do que todo um hospício. Desgostara-lhe a vida, era o que diziam as comadres vizinhas, e da depressão e fastio veio a demência, a fragilidade, a enorme dependência, a infantilização quando velha, a humilhação nem sempre percebida, a insegurança de quem nunca esteve onde gostaria. Camas variadas a abrigaram antes de chegar a esse sofá vindo de tão longe, chique e pomposo, muitas delas bastante sujas e ensebadas. Marina quando chegara ao vilarejo, ainda menina, logo caíra nas graças da prostituição, que da capital rapidamente se espalhava rumo ao interior. A mãe pusera-se ensandecida depois que o pai a abandonou por uma dessas mulatas quentes e oferecidas. Nesse meio tempo, Marina tornou-se protegida de uma mulher com excessivo cheiro de perfume barato que era dona de uma escondida e quase imperceptível casa de mulheres que a educou e também a iniciou nos prazeres da vida. Eulália, que assim se chamava a benfeitora de Marina, apresentou à então moça os homens mais abastados da região, políticos da vila e das cidades maiores que a cercavam, padres, advogados, professores, empresários, velhos, moços, artistas, homens vazios e cheios de espírito, homens sedentos de amor e outros sequiosos de vícios.

Por um dos tantos homens apaixonou-se, já sabendo que essa seria a grande desgraça da sua vida. Ela ia por essas épocas com vinte e tantos anos e era ele da mesma idade. Grávida e abandonada, Marina continuou vivendo sob os favores de Eulália e continuou trabalhando enquanto pode, mesmo com todos os riscos. Muitos anos depois, viu escorrer-lhe por entre os dedos a filha que, assim como ela, seguira o mesmo destino. Muitos ao comentar o episódio diziam que não podia ser diferente já que ainda na barriga da mãe a filha já escutava os gemidos dos prazeres forçados e o cheiro dos ambientes mais libertinos. Fugida com um aproveitador de quinta, a única filha de Marina foi morrer em um desses hospitais que mais parecem cortiços espalhados por esses interiores sem fim, e deixou a neta que agora acompanha a avó miseravelmente ensandecida. Marina prometera para si mesma que a neta nunca teria que se deitar com quem ela não queria, sentindo aquelas barrigas encharcadas de suor, aqueles bafos de pinga barata, aquelas mãos ásperas, aquele gozo doentio e alucinado ou correndo o risco de quem sabe apaixonar-se por homens que nunca a mereceriam de fato.

A neta seria diferente. E realmente fora. Mas como de destino não se foge, a diferença veio lhe ser fatal.

Nina desde sempre enfastiara-se daquela cena sem mudanças, de uma imobilidade mórbida, inócua, ofuscada. Quando a mãe a deixara, ela tinha uns dez anos de idade e a avó já alcançava os cinquenta. Nesse tempo já não exercia mais os antigos ofícios e não podia mais contar com Eulália que falecera. Vivia de trabalhos de costura e de ajudas de antigos clientes que fizeram-se amigos por uma razão ou outra. Muitos sempre buscaram em Marina apenas uma companheira que lhes desse conselhos, talvez, essas coisas só sejam acreditadas por corações ingênuos, mas eis que elas existem, e muitos dos amigos de Marina até hoje a ajudavam em troca de pequenas palavras que lhes provocavam grandes efeitos na alma.

Os primeiros dez anos passaram-se assim muito bem. Até que a avó começou a perder o juízo e ficar naquele estado que há pouco descrevemos. Nesse tempo, a existência compartilhada com uma avó da qual não se podia extrair qualquer tipo de certeza em relação ao estado mental e temperamento, apenas reforçara o imenso tédio que as regiões interioranas causavam a Nina. Alguns fatores, no entanto, atípicos para a solidão e isolamento de sua existência fizeram dela tudo que, por causas naturais, ela não viria a ser.

Marina se devotara à neta, ainda que devotar talvez fosse uma palavra exagerada para seu espírito. Seu devotamento era antes por medo da sua própria solidão do que por alguma espécie de amor maternal. Nunca deixara que a menina trabalhasse, ela vez ou outra lhe ajudava com algum serviço de costura, mas seus planos para a neta eram outros e, por incrível que pareça, justificando o fato de que às vezes ela parecia mais dentro do seu juízo do que muita gente ao seu redor, quando se tratava de questões relativas à neta, Marina era de uma racionalidade invejável.

Um dos amigos mencionado anteriormente ficou incumbido da educação da Nina. Era ele um professor que Marina conhecera quando ele era ainda muito jovem e viera a ela em uma noite chuvosa e morna pedir-lhe conselhos em relação ao primeiro amor, tomando-a como mulher experiente como ele achava que era ela. De espírito vasto, aberto para a poesia e para as demais liberdades da arte, Bento, assim se chamava, lera muito, conhecia música, literatura, sabia grego, latim, e sua índole aventureira estava ávida por transmitir seus conhecimentos a uma nova aluna.

Nina ia por esses tempos lá pelos vinte anos, enquanto Bento já contava quarenta. Mesmo assim, dado ao profundo amadurecimento de Nina, talvez por conjecturas que nem mesmo ela soubesse, e à eterna sensibilidade de Bento, as relações entre os dois iam cada vez melhores e mais próximas, o que logo suscitou comentários na pequena vila onde moravam.

Um dos problemas dos interiores é justamente esse. Certos espíritos que, por lances do destino, saem da normalidade medíocre e rasteira dessas regiões estão fadados a nunca se encaixarem nelas e a tornarem-se objeto da prática que mais germina sob esse solos vis e mesquinhos: os mexericos e as fofocas.

Mas Nina não se incomodava com eles. Fria e resoluta, sugava os conhecimentos de Bento, como a terra suga toda a água que sobre ela paira, e não era só os conhecimentos do professor que ela tomava para si. Arrastava como serpente os olhos negros, os lábios finos de dentes já amarelados, a barba por fazer, os fios de cabelo branco que se misturavam aos negros cada vez mais raros.

Fazia com que todo ele se fosse perdendo dentro dela em um misto de feitiçaria e amor, amor que ela não sabia se sentia e não saberia nunca, mas que ele tão bem conhecia por uma vida regada de prazeres, mas nunca assim tão puro, tão inteligente e tão vicioso ao mesmo tempo.
Nos intervalos das aulas, um dos passatempos preferidos de Nina era sentar-se em um sofá em frente à avó, que como dissemos arrastava seus dias de loucura estirada sobre a luxuosa peça francesa, abrir algum livro que atualmente estudava com Bento e simplesmente ficar ali lendo, de vez em quando elevando os olhos das páginas em direção à avó.

Esta soltava de vez em quando um morno comentário do tipo, “gosta de ler não é Nina, ah se eu pudesse ler também, mas não gosto, nunca gostei. Mas ela gosta, como gosta”, e dizia como se conversasse com alguém além delas duas, isoladas pelas paredes velhas daquela sala.

Depois, distraidamente, voltava a perguntar, “que livro é esse que está lendo”, Nina respondia o nome do título e logo perguntava se a avó queria ouvir um trecho para distrair a cabeça. A outra tacitamente dizia que não. “Nada de histórias, quem gosta de histórias são as moças, eu já estou velha e já tenho as minhas”.

“Então me conte algumas”, dizia Nina com o espírito curioso que sempre tivera. “Não, não, nem vale a pena, aliás, nem sei se eram minhas”.

Nina então voltava para suas páginas como se quisesse fugir da intensa falta que brotava do olhar de Marina. Seus olhos castanhos eram de um vazio quase infinito e neles Nina não conseguia enxergar nada, sequer uma tristeza, um ódio. Nada.

Mas uma coisa interessante acontecia todas as vezes que ela começava a ler, somente riscando as linhas com os olhos. A avó fechava os olhos, coisa que quase nunca fazia, e, no seio do silêncio que se instalava entre as duas, profundo e interminável silêncio, interrompido apenas pelo virar das páginas do livro, a avó parecia viver aquela mesma história que os olhos de Nina percorriam. E ela então via uma revoada de pássaros, imensa, migrando de um ponto a outro, atravessando um imenso mar, deleitava-se em uma praia comendo as frutas mais deliciosas que alguém poderia encontrar, se isolava no meio da floresta e compunha cantigas, velhos poemas esperando que alguém lhe viesse resgatar, e ela era uma heroína que jurara nunca amar, e ela era enfim uma cortesã que amava todas as noites. E ela se lembrava de seus dias de glória, da sua juventude, das suas formas firmes, do seu olhar castanho e dilacerador, ela se lembrava dos homens, dos presentes, dos nojos, dos calafrios, e dos delírios, dos vícios, dos perfumes, do perfume de Eulália, dos cheiros, das danças, do calor, do quarto quente, dos lençóis manchados de sangue, do sangue, da filha, do amor, do sangue…

E Nina fechava o livro e Marina enfim deixava de lembrar. Os olhos se abriam e quando Nina os olhava, ali continuava sem existir nada, e a transformação que há pouco se desenrolara a neta nunca viria a saber, a descortinar, pois, por vontade do destino, seus olhos estavam sempre imersos na página, dentro de outras paisagens, olhando pra baixo enquanto a avó olhava para dentro de si mesma. E os olhos de Marina só se fechavam para dentro de si, quando os olhos da neta também se fechavam dentro de mais aquela história, de mais um daqueles livros tão desinteressantes para Marina, tão necessários para Nina e, no entanto, desencontrados os olhares, as duas viam ao mesmo tempo, as duas iam para o interior.

As relações entre Nina e Bento iam cada vez mais entrelaçadas feito uma corda cheia de nós, virada sobre si mesma da qual não se consegue desvencilhar, para a qual é perigoso muito olhar sob pena de cair em qualquer tipo de tentação. Uma corda que às vezes se converte em cobra, que se enrola em volta de seu pescoço disfarçando ser enfeite enquanto na verdade apenas prepara o bote.

Nina aprendia, aprendia muito. Lia durante o dia, tocava piano durante a noite, dançava em horas vagas, pintava aos domingos, aprendia tudo com Bento que, cada vez mais apaixonado, fazia de sua aluna seu sonho de mulher, seu ideal de poesia, mas, ao mesmo tempo, ia dando a ela as formas de uma incógnita selvagem que quanto mais sabia do mundo, mais se sentia dona de si, independente dos homens, realizando assim o obscuro desejo de Marina, que sempre quisera que a neta, ao contrário dela própria, valesse por si mesma.

Bento ainda não chegara e Nina lia ao lado da avó. Marina estava do mesmo jeito, seu quadro era tão estável quanto os dias e as noites da vila que a abrigava, não havia vento, não havia diferentes folhagens, nada de novo, a eterna mesma paisagem.

O ritual dos outros dias se repetia quase como uma celebração sagrada. A avó comentava os gostos de leitura da neta, a neta lhe oferecia sua história, mas Marina se guardava para a dela. Hoje, Nina lia a história de uma dama da alta sociedade paulistana que se apaixonara por um homem pobre e abandonara toda a família, incluindo um filho, por amor a ele. No entanto, passada a empolgação dos primeiros anos, o amor do seu escolhido por ela esfriara e o peso de todos os seus sacrifícios, somado à imensa desilusão em ver que o motivo pelo qual ela havia feito tudo aquilo não estava mais diante de si, fizeram com que aos poucos ela fosse enlouquecendo, recolhendo-se dentro dela mesma, até que acabou com a sua própria vida, condenando seu grande amor a dias longos de inigualável tristeza e tortura.

Enquanto Nina lia essa história, Marina, de olhos bem fechados, percorria a sua e revivia a vida desde criança até agora. Repassara todos os natais, os momentos sozinha, pensara na filha, na filha dentro do seu ventre, ouvindo seus prazeres fingidos, ou suas dores gozadas, no amor, na perda que sentira, pensava no excesso de prazeres que nunca lhe trouxera nada, que a fizera assim uma coleção de nadas, pensava nas festas, orgias, em campos de paz, em anjos…
Terminada a página daquele dia, Nina cerrou o livro e viu que de dentro dele uma velha flor já murcha e gasta pelo tempo deslizara para o chão. Quando se agachou para apanhá-la percebeu que os olhos da avó estavam bem abertos como sempre, mas mais imóveis do que de costume. Aproximando-se um pouco assustada, identificou neles, pela primeira vez em muitos anos, um resto de lágrima que caíra já seca pelo rosto, e viu dentro dele, bem no fundo, bem no interior invisível das pupilas, a história que terminara de ler e reconheceu uma história na outra e percebeu que sua história, mesmo sem querer, fizera Marina lembrar, ser, pela derradeira vez, o que sempre fora, e uma lágrima brotou dos seus olhos igualmente castanhos, que se iniciavam na vida diante da morte.

Nina chamou Bento para que providenciasse os preparativos para o enterro. Seria algo simples. Marina deixou sua vida sob uma fina chuva que caía, rodeada por muitos homens e por uma única mulher, Nina.

Um mês depois, a neta de Marina esperava por Bento que a levaria para um baile na cidade grande, próxima da vila. Nina já se fizera mulher com toda argúcia e todo espírito que leituras e arte podem dar a alguém. Não se parecia com ninguém da sua idade, todas as moças eram diferentes dela e falavam dela, de sua conduta com Bento, de seu comportamento, diziam: “avó, filha e neta, todas iguais”.

Os bailes se sucederam, purpurinas, lantejoulas, luzes, luxos, danças, bebidas, interesses, vaidades, pudores. A beleza de Nina se multiplicava a cada dia e sua angústia diante do eterno marasmo de sua vida se lhe tornava insuportável. Casara-se com Bento que aos poucos foi se lhe tornando tão tedioso quanto era esperado pela diferença de idade. Amava-o e não o amava ao mesmo tempo. Antes chegara até a admirá-lo, mas agora, agora ela não precisava que ele lhe ensinasse mais nada, como o mar enjoado das pedras, ela cansara de bater-lhe frequentemente, de tirar-lhe os pedaços e voltar sempre enfurecida, eternamente, por nada. Se a avó soubesse que todo o conhecimento que proporcionara à neta pensando que ela teria outro destino, melhor, com boas recordações, era, na verdade, para ela como um abismo que a puxava para baixo, tirando-lhe todo o ar, sufocando-a naqueles interiores secos e selvagens que transformavam toda filosofia e arte em erva daninha e reduziam as almas mais elevadas a pó, não teria deixado a neta abrir sequer um livro, e também ela não teria se salvado.

Depois de casados, eles se mudaram da antiga casa onde Nina vivia com a avó, mas Nina quis levar o sofá onde Marina morrera e onde passara tantos dias deitada. Certo dia, não suportando olhar para o espírito do marido e indignada do que lhe vinha sendo feito dela própria, esfarelada por aquele interior seco e inóspito, lhe pediu que ele lesse a história da dama paulistana em silêncio ao seu lado, e que ficasse concentrado na história, sem olhar para ela. Nina fechou os olhos, mas não se lembrou de nada. Qual era sua história? O que ela havia vivido, o que ela teria esquecido? Nada.

Olhar Drummondiano

FELIZ OLHAR NOVO
(Carlos Drummond de Andrade)


"O grande barato da vida é olhar para trás e sentir orgulho da sua história.
O grande lance é viver cada momento como se a receita da felicidade fosse o AQUI e o AGORA.
Claro que a vida prega peças. É lógico que, por vezes, o pneu fura, chove demais...
... Mas, pensa só: tem graça viver sem rir de gargalhar pelo menos uma vez ao dia?
Tem sentido ficar chateado durante o dia todo por causa de uma discussão na ida pro trabalho?
Quero viver bem.
O ano que passou foi um ano cheio.
Foi cheio de coisas boas e realizações, mas também cheio de problemas e desilusões. Normal.
Às vezes se espera demais das pessoas. Normal.
A grana que não veio, o amigo que decepcionou. Normal.
O próximo ano não vai ser diferente.
Muda o século, o milênio muda, mas o homem é cheio de imperfeições, a natureza tem sua personalidade que nem sempre é a que a gente deseja, mas e aí?
Fazer o quê? Acabar com seu dia? Com seu bom humor? Com sua esperança?
O que eu desejo para nós é sabedoria!
E que saibamos transformar tudo em uma boa experiência!
Que consigamos perdoar o desconhecido, o mal educado. Ele passou na sua vida. Não pode ser responsável por um dia ruim...
Entender a pessoa que não merece nossa melhor parte. Se o amigo decepcionou, passe-o para a categoria três, a dos colegas.
Ou mude de classe, transforme-o em conhecido. Além do mais, a gente, provavelmente, também já decepcionou alguém.
O nosso desejo não se realizou? Beleza, não tava na hora, não deveria ser a melhor coisa pra esse momento (me lembro sempre de um lance que eu adoro: CUIDADO COM SEUS DESEJOS, ELES PODEM SE TORNAR REALIDADE.
Chorar de dor, de solidão, de tristeza faz parte do ser humano. Não adianta lutar contra isso. Mas se a gente se entende e permite olhar o outro e o mundo com generosidade, as coisas ficam diferentes.
Desejo para nós esse olhar especial.
O próximo ano pode ser um ano especial, muito legal, se entendermos nossas fragilidades e egoísmos e dermos a volta nisso.
Somos fracos, mas podemos melhorar. Somos egoístas, mas podemos entender o outro.
O próximo ano pode ser o máximo, maravilhoso, lindo, espetacular... ou...
Pode ser puro orgulho!
Depende de mim, de você!
Pode ser.
E que seja!!!
Feliz olhar novo!!!
Que a virada do ano não seja somente uma data, mas um momento para repensarmos tudo o que fizemos e que desejamos,
afinal sonhos e desejos podem se tornar realidade somente se fizermos jus e acreditarmos neles!"


Um Ano Novo
Benvindo 2012...

A Poesia de Canudos

A cultura no nordeste floresce de modo impressionante. O conhecimento gerado nas universidades enfim é utilizado na constituição identitária dos indivíduos dessa região e de outras pelo Brasil. Descobre-se que não existe cultura apenas no eixo Rio / São Paulo, muito embora seja nele que os grandes investimentos são empregados em detrimento das outras regiões menos favorecida economicamente.

É uma pena que pouco saibamos dos projetos regionais para além do Rio de Janeiro e de São Paulo. A mídia não colocabora e, quando o fazem, disponibiliza em horários dito "não-nobre", pois geralmente é de madrugada ou pela manhã bem cedo. Com isso, nos empobrecemos a medida que desconhecemos a nossa própria história como nação brasileira.

Hoje (07/01/2012), conheci o Projeto Canudos, no programa Globo Cidadania, em pleno sábado, antes das oito horas da manhã. Tão bonito ver as crianças elaborando textos em forma de cordel para falar de suas vidas, de seus lugares e de seus sentimentos como orgulho. Maravilhoso ver um poeta José Américo Amorm, em meio a feira, recitando um poema sobre sua terra, por sinal belíssimo. Quem quiser ver o vídeo pode acessar o link: www.globocidadania.com.br.

Curiosa em conhecer o trabalho do poeta José Américo Amorim, busquei no santo google e encontrei o site da Câmara Brasileira de Jovens Escritores e, nela, uma parte só com a poesia canudense, interessantíssima e que contém um poema do poeta Amorim, pena que eu seja tão analfabeta digital e só tenha encontrado um poema desse artista. Eis o link: http://www.camarabrasileira.com/cordel41.htm - Encontrei também um site que disponibiliza imagens, teses, etc. sobre Canudos. http://canudos.portfolium.com.br/

LUIZA NÃO ESTÁ MAIS NO CANADÁ

É impressionante a versatilidade do nome próprio Luiza, mas acho que não é mais próprio é coletivo, é de todo mundo, menos de Luiza.

Nunca havia reparado nas multiplas funções que esse nome adquiriu ao longo da história brasileira. Primeiro como nome próprio, segundo como título de uma linda canção de Tom Jobim, terceiro como sinônimo de falta na lingua portuguesa brasileira (será que os países de lingua portuguesa também aderiram? Acho que sim, afinal estamos na Era da GLOBALIZAÇÃO), quarta como noticiário da maior importância nas redações da TV GLOBO, onde os funcionáios pararam todas as suas atividades para aplaudir e tirar fotos com a mais recente e instantanea celebridade mundial.

Um detalhe super importante e que não deve ser esquecido: ela [Luiza (pessoa)] é uma criatura humana super tímida que, de uma hora para outra, ganhou "FAMOSIDADE" por alguma conjuntura convergente, extraordinariamente extraordinária e, que ninguem, nem mesmo os "profetas" das especulações das bolsas de valores do mundo sabem explicar.

Existe coisa mais APOCALÍPTICA do que esse retorno da LUIZA?

POBRE MENINA RICA DE "FAMOSIDADE"