Não esperem coerência e coesão em meus textos. As ideias aqui expressadas por mim, se dispõem de modo prolixo, com sentido e articulação que só eu percebo ninguém mais. contudo, não descarto a possibilidade de que, eventualmente, alguns de vocês possam concordar ou discordar delas. Afirmo, portanto, que este blog é uma tentativa minha de organizar e saber a quantas andam meu confuso pesamento, muitas vezes irônico e tantas outras cáustico.

sábado, 17 de setembro de 2011

Ode ao encontro

Passamos por tantas fases na vida. Hoje ao ler o poema (A Selva e o Mar - Cantos do pássaro encantado - Rubem Alves) , tenho certeza de que o encontro seguido da despedida é mais estável do que a permanência do encontro.

A selva e o mar

Vou contar uma estória de separação,
Todo separação é triste.
Ela guarda memória de tempos felizes
(ou de tempos que poderiam ter sido felizes...).
E nela mora a saudade.
A saudade ficou no rosto de uma criança,
partida entre dois lugares,
e o seu corpinho se estendia
de viagem a viagem,
entre a casa do pai e a casa da mãe,
esticado, querendo fazer uma ponte imensa
que juntasse de novo
aquilo que a vida separara.
E ela ficava a se perguntar: Por quê?
E é por isso que conto,
para ajudar a entender...

Sua mãe nasceu no mar
e era, inteirinha,
amor ao mar.
Ah! Você que saber
o que é o amor...
Amar é querer trazer para bem perto
aquilo que está longe,
abraçar, esforço de pôr dentro
aquilo que está fora,
beber, com prazer, aquilo que fez
os olhos sorrir.
Pois é: ela bebia do mar
tudo o que via,
e o mar nela morava
e ela o mar namorava:
a imensidão azul mistério,
as coisas que viviam nas suas funduras:
corais vermelhos,
algas verdes,
peixes de cores brilhantes,
icebergs branco-gelados
de mares não vistos,
músicas silenciosas de catedrais encantadas.

Assim era o corpo da jovem.
Você acha estranho?
Pensava que o corpo era feito de carne,
de sangue e de ossos?
Puro engano.
Nosso corpo é feio daquilo
que o amor pôs lá dentro.
E onde o amor quis, mas não pôde,
ficou um vazio,
que é onde mora a saudade...
Assim era o corpo daquela jovem,
quase menina:
havia os sons acolhidos
por seus ouvidos, barulhos de ondas,
um paciente ir e vir sem fim
como a vida...
Odores de coisas marinhas
entravam lá dentro
pelas narinas pulsantes
e faziam bem a lugares ocultos;
perfumes azuis de marolas
e aromas de pérolas brancas...
(Você já sentiu isso, o bem
que um perfume faz, num lugar de dentro da mente
que a gente nem sabe onde fica?)

Sua pele brincava com a água
e se arrepiava toda
quando a brisa lhe fazia cócegas.
E em seus olhos se viam gaivotas de brancas asas
e barcos a vela ao vento.
Quem lhe ouvisse o coração bater
juraria que eram ondas...
Seus seios, conchas lisas que abrigavam
criaturas macias.
Seu ventre, lugar de mistérios,
como a vida secreta do mar,
caverna escura onde nadavam peixes minúsculos
e invisíveis sementes ficavam à espera.
Mas havia uma coisa que ela não podia entender:
era uma tristeza,
suave,
nostalgia.
Não lhe bastava o mar infinito.

Havia os Vazios,
Desejos,
Ausência imensa,
Saudade de algo que lhe faltava.
E ela sonhava com coisas longínquas,
e as amava:
o mar e a selva se encontrassem
e o azul e o ver se misturassem.

Ela amava o mar que nela morava,
e a selva, ausência,
pedaço que lhe faltava.
E cantava o nome de seu amado:
“Os bosques são belos, sombrios,
fundos...” (Frost).
Seus olhos se voltavam então
para o alto das montanhas, ao longe,
e viam as silhuetas de árvores
ao céu, e imaginavam
belezas e mistérios diferentes
daqueles do mar.
E amava a floresta
com que sonhava.

Seu pai nascera no meio da selva
e o seu corpo crescera
com árvores velhas de muitos anos,
frutas silvestres de muitas aves,
musgos macios de muitos verdes,
borboletas de asas de muitas cores,
aves de vozes de muitos cantos,
grilos ocultos em muitas noites,
correntes de águas de muitas pedras,
flores silvestres de muitos cheiros,
terra macia de muitos brotos,
vidas que renascem de muitas formas...
Ah! Assim era o seu corpo.
“E como ele se entregava!
Amava seu mundo interior, caos selvagem,
bosques antiqüíssimos,
sobre cujo silencioso despertar verde-luz
seu coração se erguia.” (Rilke).

Mas ele também tinha
um sentimento triste, vazio,
doía-lhe o lugar da Falta.
E quando o sol
se punha sobre o mar,
ele sentia
uma nostalgia imensa.
Como se a floresta
não lhe bastasse,
o desejo por algo
belo-distante,
ausente.
E, da sombra
verde das árvores,
olhava a luz azul do mar,
solene no horizonte,
brincalhão na areia,
e desejava mergulhar nele,
e pensava que a felicidade é isto:
a selva penetrando no mar.

Um dia os dois
se encontraram,
se amaram,
a floresta mergulhou no mar,
o mar abraçou a floresta,
suas sementes se misturaram
e uma criança nasceu...
e ela tinha no seu corpo
um pouco de mar
e um pouco de selva...

Ah! felicidade maior
não poderia haver,
e até pensaram que seria eterna...
Foram morar lá em cima,
no lugar do Pai,
os três.
Felizes...
O pai, no seu mundo verde,
velho amigo, conhecido.
A mãe, no mundo verde,
mistério com que sempre
sonhara e desejara.
A criança, feliz,
por ser selva e ser mar.

Mas o tempo passou
e a felicidade acabou.
No peito da jovem
foi crescendo uma dor.
Primeiro era saudade mansa
que virou tristeza:
e a floresta, tão bela de longe,
virou prisão...
E o jovem que tanto amara
ficou estranho, gigante verde,
senhor da floresta,
seu carcereiro.

Ah! Ela já não podia amar a selva
e sua face se transtornou.
E o mar que morava nela ficou sinistro,
uma tempestade enorme
cresceu por dentro,
e no seu rosto quebraram ondas
em cuja fúria até mesmo a criança
se debatia. E a jovem virou tristeza
por se ver assim, tão feia.
(É preciso que você saiba disto:
nós amamos as pessoas
por aquilo de belo que elas fazem
nascer em nós.
Como se fossem espelhos.
Se nos vemos belos
naqueles olhos que nos contemplam,
nós as amamos.
Mas, se nos vemos feios, as odiamos...)

E ela então compreendeu que,
por belas que as matas fossem,
ela seria sempre uma estranha,
exilada, sem lar.
E foi o que disse ao seu companheiro,
que a entendeu
e disse que não importava.
Viveriam à beira-mar
para que ela reencontrasse
a felicidade perdida.
E assim aconteceu.
A alegria voltou.

Mas o tempo passou
e a saudade chegou
agora ao peito do jovem,
onde a solidão foi crescendo,
tristeza de quem vive em degredo,
prisioneiro de ilhas cercadas de mar sem fim.
E a jovem que ele tanto amara
se transfigurou num mar de tristeza,
ondas que repetiam
de noite e de dia,
sem parar:
“Nunca mais, nunca mais...”

E a floresta que morava nele
se enfureceu,
e acordaram bichos sinistros,
que dormiam nela,
cobras e escorpiões,
e aflorou tudo naquele rosto
outrora manso,
e ele ficou sinistro,
e havia fogo no seu olhar,
e espinhos cortantes no seu falar.
E ele chorou ao ver o espanto
nos olhos da sua criança,
espelhos tristes,
e sentiu que já não era o mesmo,
e nunca o seria,
longe da selva,
que era o seu lar.
E então compreenderam que,
para continuar a ser belos,
era preciso que o mar e a floresta
fossem verdadeiros consigo mesmos
e morassem nos seus lugares.

E assim viveram, longe:
a jovem, à beira-mar, saudosa da floresta,
o jovem, na floresta, com saudades do mar...
E é por isso que as pessoas se separam,
por mais que isso as dilacere,
para ficarem bonitas de novo
e voltarem aos mares e florestas perdidos...
Cada separação é uma busca
de um amor que se perdeu:
em cada partida, um desejo de reencontro.

Quanto à criança,
diziam os outros, que nada sabiam:
“Não tem onde morar...”
Ignoravam os mundos onde vivera
e que no seu corpo pequeno moravam
um mar e uma selva.
E se ora estava com a mãe, à beira-mar,
ora com o pai, na floresta,
não é que um lar lhe faltasse.
Ela era mar,
era floresta,
e podia sentir-se em casa
onde quer que estivesse."


(Cantos do pássaro encantado - Rubem Alves)

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Os reflexos dos espelhos I

Estou a pensar na imagem que fazemos de nós mesmos e, me passou pela cabeça que esse pensar em nós mesmos é furada, pois estamos sempre imbuidos do reflexo de um espelho interior que é comandado pelo nosso consciente, isso quer dizer que se eu não conseguir assimilar bem o que constato, tentarei relevar ou mesmo escamotear. Por outro lado, temos a visão do espelho exterior, que tanto pode ser o espelho material quanto o "outro", esse nem sempre vê o que nós mesmos consideramos que seja o nosso eu, mas sim aquilo que parecemos ser para esse outro. Desse modo, ficamos entre a cruz e a espada. Navegamos entre as águas do Ego e do Outro, será que o que verdadeiramente somos é o Inconsciente???????????????? Vivemos sempre por trás do pano de fundo e nunca entramos em cena?????

Os reflexos dos espelhos II

No post anterior, manifestei minha inquietude com relação a imagem do que supostamente somos. Hoje, lendo HEGEL, encontrei em um fragmento algo desassossegador.

"(...) essa violência que a consciência sofre - de se lhe estragar toda a satisfação limitada - vem dela mesma. No sentimento dessas violência, a angústia ante a verdade pode recuar e tentar salvar o que está ameaçada de perder. mas não poderá achar nenhum descanso: se quer ficar numa inércia carente-de-pensamento, o pensamento perturba a carência-de-pensamento, e seu desassossego estorva a inércia. Ou então, caso se apóie no sentimentalismo, que garante achar tudo bom a seu modo, essa garantia sofre igualmente violência por parte da razão, que acha que algo não é bom, justamente por ser um modo. Ou seja: o medo da verade poderá ocultar-se de si e dos outros por trás da aparência de que é um zelo ardente pela verdade, que lhe torna difícil e até impossível encontrar outra verdade que não aquela única vaidade de ser sempre mais arguto que qualquer pensamento - que se possua vindo de si mesmo ou de outros. Vaidade essa capaz de tornar vã toda a verdade, para retornar a si mesma e deliciar´se em seu próprio entendimento; dissolve sempre todo o pensamento, e só sabe achar seu Eu árido em lugar de todo o conteúdo ..." (HELGEL, Fenomenologia do Espírito - número 80)