Ontem li um conto do livro de um amigo que foi lançado recentemente. Não farei aqui uma crítica sobre o livro, logo porque não o li por inteiro, apenas um conto, o que ja foi suficiente para eu concluir que fiz um excelente negócio. Dizem que negócios são negócios, amigos a parte. No caso específico da aquisição dessa obra, o ditado não se sustenta, pois negócio é negócio mesmo, mas o amigo faz parte. Mas por que cargas d'água estou a falar essa bobajada toda, o que quero dizer é que me deu imenso prazer ler os insensatos fluidos mentais de Novaes.
Um aspecto que adoro nos livros de poesia e contos é que não preciso começar pelo começo. No caso do livro do Novaes, começei pelo fim. O conto é "A Carta", muito interessante a forma como ele nos dispõe dentro da
narrativa, num tempo real de leitura, com os mecanismos mentais e
instrumentos reais (a transparência) que nos possibilita uma interação ativa, real e ao vivo.
A indeterminação da língua originária da carta faz
com que possa ter sido escrita em qualquer lugar com a mesma problemática de governos ditatoriais
ou falta de liberdade de expressão ou simplesmente a negação do nosso
direito de ir e vir e opinar.
O absurdo que toda essa
circunstância causa no sujeito, foi bem traduzida (como sempre) na
descrição do jornalista "Um sujeito vivido, algo amargurado, cético,
como se sua alma tivesse sido talhada a golpes brutos de realidade". A
imagem da realidade como um cinzel a talhar e esculpir o sujeito me
impressionou pela precisão e pela comunhão entre imagem e letra. Aliás, esse
parágrafo é de uma beleza estética de comparações incríveis. Um apelo
sensorial externo e interno belíssimo (vou diminuir os adjetivos para
não ficar entediante): sentimento e armas e ferimentos; vidas e fio;
filetes de sangue em lágrimas; dores reais e filosóficas que penetram
pelo físico e influencia o psicológico, mental e intelectual.
A
imprecisão do diálogo entre John e o narrador é bacana, não se sabe onde
nem quando ou em que momento da vida de ambos a história veio à tona. O sentido ideológico-político do contista (não no sentido partidário, mas no
sentido de crítica, de indignação e denúncia) ficou muito bem pontuado. A
luta travada pelo rebelde em detrimento de seu cárcere foi tão forte
quanto uma arma na mão. A inventividade e criatividade do autor na mensagem
codificada é muito, muito legal. Essa superposição de sentidos é
porreta de boa meu caro amigo. Fiquei a imaginar se ele escreveu as
duas cartas e depois mesclou as mensagens (mais uma interação
leitor-autor e não leitor-personagem. Deu muito trabalho essa
articulação entre o todo "ingênuo" da carta e o xeque-mate do rebelde
com a transparência? Curiosíssima rsrsrsr).
Quanto ao personagem do
jornalista, fica um alerta de que nem sempre devem divulgar algo sem que pese realmente as consequências do que se está
publicando. Será que ele teve a "decência" de retificar, melhor, seria
possível retificar o equívoco e restaurar a honra daquele rebelde? Isso me fez refletir que atualmente, não dá mais para acreditar na aparente imparcialidade da mídia. O
que testemunhamos cotidianamente nos telejornais e nos jornais impressos é de uma parcialidade passional por parte dos
jornalistas. Não são fiéis ao fato e sim ao que lhes convém.
O livro encontra-se a venda no site do Clube de Leitura Icaraí. No dia 05/07/2013, ele será debatido pelo grupo.
Eu havia dito ao Novaes que leria seus contos em doses homeopáticas porque sou extremamente
prolixa. Às vezes me perco em mim mesma, que dirá na literatura, aí é
que dificilmente consigo fazer síntese e me achar. Aliás, para mim, a literatura é
só complexidade. Findo por aqui minhas impressões sobre este conto. Até mais ver.