Não esperem coerência e coesão em meus textos. As ideias aqui expressadas por mim, se dispõem de modo prolixo, com sentido e articulação que só eu percebo ninguém mais. contudo, não descarto a possibilidade de que, eventualmente, alguns de vocês possam concordar ou discordar delas. Afirmo, portanto, que este blog é uma tentativa minha de organizar e saber a quantas andam meu confuso pesamento, muitas vezes irônico e tantas outras cáustico.

sábado, 19 de outubro de 2013

Homenagem a Vinícius de Moraes

VINÍCIUS DE MORAES (19/10/1913 - 09/07/1980)


Vi o documentário de Vinícius de Moraes ontem.  Impressionante a trajetória desse nosso "poetinha", que antes era chamado assim, porque muitos o consideravam um poeta menor e, hoje, nós o assim chamamos pelo afeto que sentimos por ele e sua obra. Um homem movido à paixão, se inquietava quando seu coração não batia mais nesse mesmo compasso, nesse mesmo ritmo. Foi casado nove vezes, um dado instigante de analisar. No documentário há uma indagação a esse respeito que me chamou a atenção: será que ele buscava de algum modo refutar os próprios versos "(...) que seja infinito enquanto dure" do "Soneto da fidelidade", nove tentativas talvez para provar que o amor pode ser infinito não só enquanto dure a relação, mas que a relação torne o amor infinito para além da própria duração no tempo e espaço?

Soneto da Fidelidade


De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.



Ao longo do documentário, vários são os depoimentos de amigos que o estimaram e ainda o tem em alta conta. Isso é raro de acontecer. É claro que tudo não é cor de rosa, mas o que é? A meu ver, Vinícius foi um homem aberto às amizades. Numa dedicatória ele diz: "A Antonio Cândido, com a mão estendida para a amizade". Segundo amigos, tinha uma personalidade amorosa. A intensidade de sua alma foi como um sopro, uma grande brisa que acariciava as palavras e elas em troca gozavam de prazer e, esse prazer é tão real que até hoje ainda somos herdeiros desses gozos. Como não se comover ante "a arte não ama os covardes", de fato, o artista tem que dar a cara a tapa, se expor e por vezes até se impor. "Intimidade perfeita com o silêncio", ora quer tumulto mental maior do que quando estamos em silêncio? Ou ainda esse "quem de dentro de si não sai! Vai morrer sem amar ninguém!". Versos como esses nos impressionam pela forte carga emotiva de uma vida que se abandonava ao encontro de emoções constantes. Como não ficar com as veias em chamas ao ler no "O Mergulhador" os versos "meus lentos dedos loucos/Passeiam no teu corpo a te buscar-te a ti", vejam que os dedos buscam no corpo algo que está não só na superfície desse corpo, mas dentro dele, em suas profundezas. Tanto a falar e tão poucas ideias que se concatenam em criar um sentido, não, definitivamente não, sou apenas uma amante espectadora que nem sabe exprimir o que vê ou sente em comparação com esse extraordinário poeta.




O Mergulhador


Como, dentro do mar, libérrimos, os polvos
No líquido luar tateiam a coisa a vir
Assim, dentro do ar, meus lentos dedos loucos
Passeiam no teu corpo a te buscar-te a ti.

És a princípio doce plasma submarino
Flutuando ao sabor de súbitas correntes
Frias e quentes, substância estranha e íntima
De teor irreal e tato transparente.

Depois teu seio é a infância, duna mansa
Cheia de alísios, marco espectral do istmo
Onde, a nudez vestida só de lua branca
Eu ia mergulhar minha face já triste.

Nele soterro a mão como a cravei criança
Noutro seio de que me lembro, também pleno...
Mas não sei... o ímpeto deste é doído e espanta
O outro me dava vida, este me mete medo.

Toco uma a uma as doces glândulas em feixes
Com a sensação que tinha ao mergulhar os dedos
Na massa cintilante e convulsa de peixes
Retiradas ao mar nas grandes redes pensas.

E ponho-me a cismar… - mulher, como te expandes!
Que imensa és tu! maior que o mar, maior que a infância!
De coordenadas tais e horizontes tão grandes
Que assim imersa em amor és uma Atlântida!

Vem-me a vontade de matar em ti toda a poesia
Tenho-te em garra; olhas-me apenas; e ouço
No tato acelerar-se-me o sangue, na arritmia
Que faz meu corpo vil querer teu corpo moço.

E te amo, e te amo, e te amo, e te amo
Como o bicho feroz ama, a morder, a fêmea
Como o mar ao penhasco onde se atira insano
E onde a bramir se aplaca e a que retorna sempre.

Tenho-te e dou-me a ti válido e indissolúvel
Buscando a cada vez, entre tudo o que enerva
O imo do teu ser, o vórtice absoluto
Onde possa colher a grande flor da treva.

Amo-te os longos pés, ainda infantis e lentos
Na tua criação; amo-te as hastes tenras
Que sobem em suaves espirais adolescentes
E infinitas, de toque exato e frêmito.

Amo-te os braços juvenis que abraçam
Confiantes meu criminoso desvario
E as desveladas mãos, as mãos multiplicantes
Que em cardume acompanham o meu nadar sombrio.

Amo-te o colo pleno, onda de pluma e âmbar
Onda lenta e sozinha onde se exaure o mar
E onde é bom mergulhar até romper-me o sangue
E me afogar de amor e chorar e chorar.

Amo-te os grandes olhos sobre-humanos
Nos quais, mergulhador, sondo a escura voragem
Na ânsia de descobrir, nos mais fundos arcanos
Sob o oceano, oceanos; e além, a minha imagem.

Por isso - isso e ainda mais que a poesia não ousa
Quando depois de muito mar, de muito amor
Emergido de ti, ah, que silêncio pousa
Ah, que tristeza cai sobre o mergulhador!

Quando a atriz Camila Morgado começou a declamar "Os acrobatas" delirei, pois queria gravar um ou dois versos, mas todos eles eram tão, tão... que desisti e apenas frui cada um deles.

Os Acrobatas

Subamos! 

Subamos acima 
Subamos além, subamos 
Acima do além, subamos! 
Com a posse física dos braços 
Inelutavelmente galgaremos 
O grande mar de estrelas 
Através de milênios de luz. 
Subamos! 
Como dois atletas 
O rosto petrificado 
No pálido sorriso do esforço 
Subamos acima 
Com a posse física dos braços 
E os músculos desmesurados 
Na calma convulsa da ascensão. 
Oh, acima 
Mais longe que tudo 
Além, mais longe que acima do além! 
Como dois acrobatas 
Subamos, lentíssimos 
Lá onde o infinito 
De tão infinito 
Nem mais nome tem 
Subamos! 
Tensos 
Pela corda luminosa 
Que pende invisível 
E cujos nós são astros 
Queimando nas mãos 
Subamos à tona 
Do grande mar de estrelas 
Onde dorme a noite 
Subamos! 
Tu e eu, herméticos 
As nádegas duras 
A carótida nodosa 
Na fibra do pescoço 
Os pés agudos em ponta. 
Como no espasmo. 
E quando 
Lá, acima 
Além, mais longe que acima do além 
Adiante do véu de Betelgeuse 
Depois do país de Altair 
Sobre o cérebro de Deus 
Num último impulso 
Libertados do espírito 
Despojados da carne 
Nós nos possuiremos. 
E morreremos 
Morreremos alto, imensamente 
IMENSAMENTE ALTO.



Comemoremos com as canções "Berimbau" e "Canto de Ossanha".
http://www.youtube.com/watch?v=0JK34NqxmvU

Para quem quiser ler sobre a biografia do poeta, pode acessar o link http://anabelamotaribeiro.pt/64095.html Um blog muito bom. Gostei bastante.

Por fim, termino essa breve homenagem ao grandioso poetinha Vinícius de Moraes. Um feliz dia de Vinícius. Até breve!

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

A Impotência do Ser Solitário


Quando ainda estava na faculdade, a professora passou um trabalho sobre memória e elencou Walter Benjamin como teórico. Fiquei com a temática da morte e seus ritos. Bem, não vou me aprofundar nesse assunto, só o citei porque tem um pouco a ver com o que vou dizer. 

Ontem fui submetida a um procedimento cirúrgico que em geral pode significar algo que preocupa ou algo que pode te levar ao desespero. Câncer é uma palavra que ninguém quer ouvir como diagnóstico, principalmente porque a maioria de seus familiares sucumbiram a ela. O fato é que ainda terei que esperar por 45 dias até o resultado da biópsia. 

Mas retornando a Benjamin, antes os ritos desde a doença até a morte aconteciam na casa da pessoa. Hoje há um infinidade de procedimentos para prolongar a vida, mas no transcorrer deles, o doente fica em determinado momento completamente sozinho e abandonado porque os médicos e auxiliares, dizem eles, que não podem se envolver muito para não sofrer, pois seria uma carga pesada demais já que lidam com uma linha muito tênue entre vida e morte. Concordo, mas ainda assim não se resolve o problema da falta de humanização nessas horas de desespero e impotência diante da vida de um doente que ao sair numa maca do quarto, vê apenas as laterais dos corredores e pessoas a te observar com dó, pena ou indiferença e o teto com suas lâmpadas fluorescentes que te cegam, os olhares de cima e nada mais. 

O olhar daqueles que ficam no quarto tensos e ansiosos te deixam preocupada que por um instante você esquece de sua própria condição. Mas sempre há em meio a uma multidão de profissionais que olha para você como a próxima tarefa a ser cumprida para terminar seu plantão, um que te enxerga não como algo a ser resolvido, mas como um ser humano que está numa posição incômoda e desesperadamente precisando de um olhar terno. Essas pessoas são como anjos que aparecem de um momento para outro sem prévio aviso. Tive a sorte de ser olhada por um desses anjos. Estava nervosa e quase a cair no choro (sou uma manteiga derretida) quando ela aparece e começa a brincar comigo dizendo que meu nariz é lindo é claro que o choro ficou só na intenção de cair, pois meu nariz é tão pequeno que quando tiro foto de perfil ele desaparece, fiquei meio indecisa em rir e por fim dei um sorriso titubeante e ela só saiu de perto quando viu esse sorriso. Então me acalmei e fiquei a martelar na cabeça a melodia da música de Sting "Fragile" e a frase "How fragile we are" (como nós somos frágeis) http://www.youtube.com/watch?v=lB6a-iD6ZOY&list=PL0QfJdVEYqXZ2fBlhDUjvWZfh75C8mdD0&index=72, então relaxei e pensei: se essas são minha últimas imagens e pensamentos, que sejam pelo menos agradáveis. Aos que me rodeiam já havia dito o quanto são importantes para mim, quanto aos bens, são poucos e sem valor, de modo que tudo já estava bem encaminhado, até mesmo meu testamento quanto ao funeral que escrevi neste blog em forma de poesia  neste link: http://omundomentaldemaria.blogspot.com.br/2012/09/meu-testamento.html

Levei como leituras que não li, mas que estavam ali para me acalmarem os livros da poeta Rita Magnago "Travessia do Verso" já que se houvesse um cessar que ele pudesse ser transportado nos belos versos dessa amiga e as crônicas de Carlos Rosa Moreira que me faziam lembrar das belezas de Paris e me induziam a viver para vivenciar aqueles lugares tão bem descritos por ele. Além desses, minha amiga-irmã Maria Teresinha trouxe-me Dostoiévski "Os irmãos Karamazov", Georges Duby "Eva e os padres: damas do século XII" e "Damas do século XII: a lembrança das ancestrais". Pergunto: estava ou não pronta para a morte? rsrsrs Que seja o que tiver de ser. 

Hoje, para comemorar, estou a fazer uma rabada bovina. Estão servidos?

Até breve!