VINÍCIUS DE MORAES (19/10/1913 - 09/07/1980)
Vi o documentário de Vinícius de Moraes ontem. Impressionante a trajetória desse nosso "poetinha", que antes era chamado assim, porque muitos o consideravam um poeta menor e, hoje, nós o assim chamamos pelo afeto que sentimos por ele e sua obra. Um homem movido à paixão, se inquietava quando seu coração não batia mais nesse mesmo compasso, nesse mesmo ritmo. Foi casado nove vezes, um dado instigante de analisar. No documentário há uma indagação a esse respeito que me chamou a atenção: será que ele buscava de algum modo refutar os próprios versos "(...) que seja infinito enquanto dure" do "Soneto da fidelidade", nove tentativas talvez para provar que o amor pode ser infinito não só enquanto dure a relação, mas que a relação torne o amor infinito para além da própria duração no tempo e espaço?
Soneto da Fidelidade
De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Ao longo do documentário, vários são os depoimentos de amigos que o estimaram e ainda o tem em alta conta. Isso é raro de acontecer. É claro que tudo não é cor de rosa, mas o que é? A meu ver, Vinícius foi um homem aberto às amizades. Numa dedicatória ele diz: "A Antonio Cândido, com a mão estendida para a amizade". Segundo amigos, tinha uma personalidade amorosa. A intensidade de sua alma foi como um sopro, uma grande brisa que acariciava as palavras e elas em troca gozavam de prazer e, esse prazer é tão real que até hoje ainda somos herdeiros desses gozos. Como não se comover ante "a arte não ama os covardes", de fato, o artista tem que dar a cara a tapa, se expor e por vezes até se impor. "Intimidade perfeita com o silêncio", ora quer tumulto mental maior do que quando estamos em silêncio? Ou ainda esse "quem de dentro de si não sai! Vai morrer sem amar ninguém!". Versos como esses nos impressionam pela forte carga emotiva de uma vida que se abandonava ao encontro de emoções constantes. Como não ficar com as veias em chamas ao ler no "O Mergulhador" os versos "meus lentos dedos loucos/Passeiam no teu corpo a te buscar-te a ti", vejam que os dedos buscam no corpo algo que está não só na superfície desse corpo, mas dentro dele, em suas profundezas. Tanto a falar e tão poucas ideias que se concatenam em criar um sentido, não, definitivamente não, sou apenas uma amante espectadora que nem sabe exprimir o que vê ou sente em comparação com esse extraordinário poeta.
O Mergulhador
Como, dentro do mar, libérrimos, os polvos
No líquido luar tateiam a coisa a vir
Assim, dentro do ar, meus lentos dedos loucos
Passeiam no teu corpo a te buscar-te a ti.
És a princípio doce plasma submarino
Flutuando ao sabor de súbitas correntes
Frias e quentes, substância estranha e íntima
De teor irreal e tato transparente.
Depois teu seio é a infância, duna mansa
Cheia de alísios, marco espectral do istmo
Onde, a nudez vestida só de lua branca
Eu ia mergulhar minha face já triste.
Nele soterro a mão como a cravei criança
Noutro seio de que me lembro, também pleno...
Mas não sei... o ímpeto deste é doído e espanta
O outro me dava vida, este me mete medo.
Toco uma a uma as doces glândulas em feixes
Com a sensação que tinha ao mergulhar os dedos
Na massa cintilante e convulsa de peixes
Retiradas ao mar nas grandes redes pensas.
E ponho-me a cismar… - mulher, como te expandes!
Que imensa és tu! maior que o mar, maior que a infância!
De coordenadas tais e horizontes tão grandes
Que assim imersa em amor és uma Atlântida!
Vem-me a vontade de matar em ti toda a poesia
Tenho-te em garra; olhas-me apenas; e ouço
No tato acelerar-se-me o sangue, na arritmia
Que faz meu corpo vil querer teu corpo moço.
E te amo, e te amo, e te amo, e te amo
Como o bicho feroz ama, a morder, a fêmea
Como o mar ao penhasco onde se atira insano
E onde a bramir se aplaca e a que retorna sempre.
Tenho-te e dou-me a ti válido e indissolúvel
Buscando a cada vez, entre tudo o que enerva
O imo do teu ser, o vórtice absoluto
Onde possa colher a grande flor da treva.
Amo-te os longos pés, ainda infantis e lentos
Na tua criação; amo-te as hastes tenras
Que sobem em suaves espirais adolescentes
E infinitas, de toque exato e frêmito.
Amo-te os braços juvenis que abraçam
Confiantes meu criminoso desvario
E as desveladas mãos, as mãos multiplicantes
Que em cardume acompanham o meu nadar sombrio.
Amo-te o colo pleno, onda de pluma e âmbar
Onda lenta e sozinha onde se exaure o mar
E onde é bom mergulhar até romper-me o sangue
E me afogar de amor e chorar e chorar.
Amo-te os grandes olhos sobre-humanos
Nos quais, mergulhador, sondo a escura voragem
Na ânsia de descobrir, nos mais fundos arcanos
Sob o oceano, oceanos; e além, a minha imagem.
Por isso - isso e ainda mais que a poesia não ousa
Quando depois de muito mar, de muito amor
Emergido de ti, ah, que silêncio pousa
Ah, que tristeza cai sobre o mergulhador!
Quando a atriz Camila Morgado começou a declamar "Os acrobatas" delirei, pois queria gravar um ou dois versos, mas todos eles eram tão, tão... que desisti e apenas frui cada um deles.
Os Acrobatas
Subamos!
Subamos acima
Subamos além, subamos
Acima do além, subamos!
Com a posse física dos braços
Inelutavelmente galgaremos
O grande mar de estrelas
Através de milênios de luz.
Subamos!
Como dois atletas
O rosto petrificado
No pálido sorriso do esforço
Subamos acima
Com a posse física dos braços
E os músculos desmesurados
Na calma convulsa da ascensão.
Oh, acima
Mais longe que tudo
Além, mais longe que acima do além!
Como dois acrobatas
Subamos, lentíssimos
Lá onde o infinito
De tão infinito
Nem mais nome tem
Subamos!
Tensos
Pela corda luminosa
Que pende invisível
E cujos nós são astros
Queimando nas mãos
Subamos à tona
Do grande mar de estrelas
Onde dorme a noite
Subamos!
Tu e eu, herméticos
As nádegas duras
A carótida nodosa
Na fibra do pescoço
Os pés agudos em ponta.
Como no espasmo.
E quando
Lá, acima
Além, mais longe que acima do além
Adiante do véu de Betelgeuse
Depois do país de Altair
Sobre o cérebro de Deus
Num último impulso
Libertados do espírito
Despojados da carne
Nós nos possuiremos.
E morreremos
Morreremos alto, imensamente
Comemoremos com as canções "Berimbau" e "Canto de Ossanha".
http://www.youtube.com/watch?v=0JK34NqxmvU
Para quem quiser ler sobre a biografia do poeta, pode acessar o link http://anabelamotaribeiro.pt/64095.html Um blog muito bom. Gostei bastante.
Por fim, termino essa breve homenagem ao grandioso poetinha Vinícius de Moraes. Um feliz dia de Vinícius. Até breve!