E aqui vai uma poesia do livro "A queda para o alto" de Sandra Mara Herzer, dedico especialmente para aqueles que tem sede de sangue. Pensando bem, acho que nossa sociedade tem se mostrado mais vampiresca do que a saga Crepúsculo, pelo menos a face deles eram mais belas, essa que vejo aplaudindo os mortos, me parece deformada pelo próprio medo e pela covardia de admitir que sua reação e ação é só um reflexo irracional de uma animal coagido pela falência de instituições governamentais, sociais e morais.
Mataram João Ninguém
Quando o próximo sangue jorrar
daquele por quem ninguém irá chorar,
daquele que não deixará nada para se lembrar
daquele em quem ninguém quis acreditar.
Quando seus olhos só puderem fitar o escuro
quando seu corpo já estiver inerte, frio e duro,
quando todos perceberem morto João Ninguém
e quando longe de todos ele será seu próprio alguém.
Tantas mãos, tantas linhas incertas,
tantas vidas cobertas, sem ninguém pra sentir,
Tantas dores, tantas noites desertas
tantas mãos entreabertas, sem ninguém pra acudir.
Qualquer dia vou despir-me da luta
pisar em coisas brutas, sem me arrepender.
Tão difícil ver a vida assassinada
quando estamos já tontos pra tentar sobreviver.
As perguntas sem respostas, sem nada,
as vidas curtas e desamparadas
o último grito que não foi ouvido
calaram mais um homem iludido.
E no mundo não dão mais argumentos
pra fugir aos lamentos
De quem sozinho falece.
de quem sozinho falece.
Para esses, não há mais compreensão,
não há mais permissão, para que se tropece.
Na televisão, o aguardo da cotação
um instante ocupado, para dizer morto João Ninguém
mas a aflição ataca, a cotação subiu ou caiu?
e João morreu... ninguém ouviu.
Eu vou distribuir panfletos,
dizendo que João morreu
talvez alguém se recorde
do João que falo eu.
Falo daquele mendigo que somos
pelo menos em matéria de amor,
daquele amor que esquecemos de cultivar
o qual com tanto dinheiro, ninguém jamais coroou.
Um brinde a esse sangue tão belo que escorre pelas escadarias, pelo chão de nossas cidades tão civilizadas. Um grande viva e abraço generoso nas mães de tantos joão ninguéns, mostremos nossa solidariedade para com essa criatura que teve a audácia de por no mundo monstros como esses (agora fiquei em dúvida se falo dos que são linchados ou dos que lincham). Digamos a essa mulher: não chores querida, o que estas vendo, não é gente, não é teu filho, é apenas uma coisa que nos incomodava, é só isso, agora vais viver mais segura, estamos tornando o mundo mais seguro, mais civilizado, aquieta-te e doooooooooorme profundamente, porque estamos cá, nós, os justiçeiros, do lado de fora, garantindo e teu sono relaxante e teu sossego diário.
Uma amiga disse que esse post era muito forte, que iria curtir, mas que não iria compartilhar. Olhem esse conto da Clarice Lispector, será que por ela ser quem é, é menos forte que o meu? Será que ela diz coisas que não disse? E olha que nem conhecia esse conto, uma amiga é que postou no face hoje. Sabe que o que mais me entristece é que esse conto foi publica em 1979 e a realidade nossa de cada dia é igual, nada mudou. Tudo é um círculo vicioso.
http://revistapittacos.org/2014/02/10/mineirinho/
Sobre a poeta Sandra Mara Herzer.
Sobre a violência