Platão e suas comparações magistrais. Diálogo FEDRO, sobre a Ideia e Reminiscência. Embora seja um excerto que exalta a elevação da alma, a analogia nos remete despudoradamente ao corpo, tão belo e perfeito que coloca no devido lugar: às CINZAS QUE SÃO os ditos 50 tons e gêneros correlatos.
"Quanto à beleza, __ como te disse, __ ela brilhava entre todas aquelas Idéias Puras, apesar de nossa prisão terrena, seu brilho ainda ofusca todas as outras coisas. a visão é ainda o mais sutil de todos os nossos sentidos. Não pode, contudo, perceber a sabedoria. Despertaria amores veementes se oferecesse uma imagem tão clara e nítida quanto as que podíamos contemplar para além do céu. Somente a beleza dá-nos esta ventura de ser a coisa mais perceptível e arrebatadora. Aquele que não foi iniciado ou que se corrompeu, não se eleva com ardor para o além, para a beleza em si mesma. Apenas conhece o que aqui se chama belo, e não adora aquilo que vê. Como um quadrúpede, dedica-se ao prazer sensual, tratando de unir-se sexualmente e de procriar filhos. Se for dado à intemperança, não terá medo nem vergonha de se entregar aos prazeres contra a natureza. O que foi iniciado há pouco, e que outrora muito contemplou, ao ver um rosto divino ou um corpo que bem encarna a beleza, sente certa estranheza e um pouco da antiga emoção e volta, pois, a olhar esse belo corpo, adora-o como adoraria um deus. E, se não tivesse receio de ser considerado monomaníaco, ofereceria sacrifícios ao objeto do seu amor como a um deus. Quando contempla o seu amor, apodera-se do amante uma crise semelhante à febre: modificam-se-lhe as feições, o suor poreja em sua fronte e um calor estranho corre pelas suas veias. Logo que percebe, através dos olhos, a emanação da beleza, sente esse doce calor que alimenta as asas da sua alma. Esse calor derrete os entraves da vitalidade, aquilo que, pelo endurecimento, impedia a germinação. O afluxo do alimento produz uma espécie de intumescência, um sopro de crescimento do corpo das asas. Esse ímpeto vai se espalhar por toda a alma.
Esta, quando as asas começam a desenvolver-se, ferve, incha e sofre da mesma maneira como padecem as crianças que, ao lhe nascerem novos dentes, sentem pruridos e irritação nas gengivas. Também a alma freme, padece e sente dores, ao lhe crescerem as asas. Quando contempla a beleza de um belo objeto, e dele provêm corpúsculos que saem e se separam __ o que gera a vaga de desejo (himeros), a alma encontra então o alívio para as dores e a alegria. Mas, quando está separada do amado, fenece. E as aberturas de onde saem as asas também contraem e, fechando-se, impedem a saída da asa que, presa no interior juntamente com a vaga do desejo a palpitar nas artérias, faz pressão em cada saída sem abrir caminho. Desse modo, a alma toda, atormentada em seu próprio âmago, sofre e padece, e no seu frenesi não encontra repouso. Impelida pela paixão, ela se lança à procura da beleza. Quando a revê ou a encontra de novo, reabrem-se-lhe os poros. A alma respira novamente e já então não sente o aguilhão da dor e goza, nesse momento, da mais deliciosa volúpia. Por isso não a abandona voluntariamente.” (Platão, “Fedro” [250 à 252])
Belíssimo não? lembro-me que na época em que li esse livro, eu encontrava-me em vias de me separar e é claro que a carência afetiva e física acabaram me deixando vulnerável emocionalmente e quando isso acontece comigo, o mais provável é que me apaixonasse (platonicamente) e não deu outra. A velha história da paixão da aluna pelo mestre. Foi esse professor que indicou a leitura. Ele era, para a maioria das mulheres, estranho e nada atraente, mas eu via naquele homem coisas impressionantes. Certa vez ele veio me perguntar algo e no exato instante em que olhou para mim, o sol incidiu sobre seus olhos e a cor de mel deles era simplesmente encantadora e, desse momento em diante, tudo nesse homem me apaixonava. Seu perfil era baixa de estatura, careca e cabelos longos nas laterais, olhos cor de mel, magro e nada belo segundo os parâmetros em voga. Mas quando começava a discorrer sobre filosofia e Grécia Antiga era simplesmente mágico. Li com sofreguidão o livro e quando cheguei na alegoria dos cavalos alados em diante, já impregnada por tantos discursos sobre o amor, fiquei mais suscetível ainda e nos meus sonhos surgiu esse poema, nada sutil ou metafórico.
Dois são os cavalos
que deveriam nos conduzir
ao êxtase supremo.
Um dos cavalos nos impele aos céus
o outro a fincar-se à Terra
O embate é ferrenho,
a alma se divide e titubeia
ante que direção tomar
nessa incrível disputa.
Corpo e alma
e uma única dúvida:
seguir o puro sangue
ou o cavalo mestiço?
A batalha dura
uma eternidade.
Defesas caídas,
o mestiço assume o controle
Já não ouço mais o puro.
Deixo o mestiço conduzir-me.
A luta agora é outra.
Apelos incontroláveis e
um só desejo: pequenas mortes
Corpo exausto,
abrupto silêncio,
o coração ainda bate forte
depois... paz.
No dia em que iríamos discutir essa passagem especificamente, fiquei incomodada por lembrar do sonho que tive com o entusiasmadíssimo professor. Pasmem agora, como eu havia esquecido de trazer o livro, ele emprestou o livro dele para mim e uma amiga, sentamos juntas e qual não foi minha surpresa, escrito ao lado dessa passagem estava "falo ereto", não aguentei e sai da sala rindo e ninguém entendeu nada. Pode, a criatura havia pensado coisa semelhante também. Como podia ficar ouvindo a leitura sem ficar envergonhada? Ah! os arroubos amorosos e oníricos. Enfim, ainda me lembro dessa pequena aventura platônica, só que já não me envergonho mais. Quem quiser ler a alegoria dos cavalos alados pode encontrar nas passagens 246-247, do diálogo FEDRO.